terça-feira, 23 de outubro de 2012

Nota de Guardanapo

O mal de ser essa camada fina de papel ambulante
É que papel absorve tudo
Rasga fácil
O mal é querer carregar tudo consigo e mostrar tudo pro mundo
Mesmo que o diâmetro pra carga seja pouco
E vai querer rimar com os tons de marrom
Vai querer desenhar na mobília empoeirada
Vai trancar o quarto
Deitar no chão
Reclamar de como todo mal
Acaba numa boa criação.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Um poema para se ler com os lábios úmidos


Às vezes eu queria ter teu colo pra chorar,
Ficar sob a vigília dos teus olhos verdes
Teus dedinhos, meus cabelos podiam alisar
E eu cairia no sono, te ouvindo cantar.

Às vezes eu acordo e abro a porta da sala
Fico pensando que você podia morar na casa da frente
Nessa que tem sacada
E ali tu ia tocar violão pra quem passasse
Tenho certeza, que dessas pessoas
Metade iria ficar apaixonada.

Às vezes teu jeitinho me faz querer pintar mil quadros,
Te fazer de mobília do quarto,
Te colocar no bolso,
Te fazer de pingente ,
Pegar você, e temperar meu almoço.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Adeus Primavera


Passarinho feito tu, não tem em qualquer região não
Olha que já viajei muito, e nada me fez calar assim
Eu, que sempre reclamava do chiado píu do pássaro de casa
Hoje quero um só pra mim.

Passarinho feito tu, é todo acanhado assim de vista,
Não tem estação certa pra migrar
O que se sabe é que gosta de fazer ninho na lua
E se por alguém sente afeto, vem na mão roçar.

Passarinho feito tu, nunca me tirou o chão de surpresa
Presta atenção no sibilar, no movimento dos lábios
E te devolve o encanto no pé de cada orelha.
Assim que ninguém estiver olhando, passarinho
Vais parar na minha gaveta.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

2+2=0


Diluindo,
Se foram o sódio, proteína e carboidrato,
Mas pelo menos sobrou o tabaco.
Sobraram as overdoses de noites em claro
Do sono delicado que desistiu, interrompido pela ideia,
O conto, ilusão, burburinho do poema.

Diluindo,
Se foram as roupas limpas
Vestidos em suor, tatuagens das suas digitais.
Há quanto tempo almoçamos cinema?
Perdendo a energia que não suprimos
Com câmeras, camas, calma.

Diluindo,
Se foram água, gás, energia,
Contas que não pagamos
Pois dos papéis fizemos cama
E nunca mais acordamos.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Dos seus olhos, chuva.


 Todo ano era assim, mudava a estação e logo ela chegava com seu ar urbano naquele bairro do subúrbio, um sacrifício que fazia todo ano para manter as aparências com a família da casa ao lado. Era a melhor época do ano pra mim, a que eu mais ansiava. Meu natal particular.

 Às vezes, durante o longo período entre uma visita e outra, sentia vontade de me sentar na janela da sala, assim como os cactos que minha mãe cultivava, e ficar por ali, aguardando seu retorno. Pensei seriamente em fazer isso, já até me imaginei ali durante o inverno, com estalactites penduradas em meu nariz, uma bem grande pendurada no queixo, como uma imensa barba glacial, e uma em cada orelha, como delicados brincos. Os cílios todos cheios de neve fina que caiam e derretiam nas rubras bochechas ao piscar. Mas nesse ritmo não estaria nesse plano astral pra te ver chegar, então desisti.

 A noite que antecede seu retorno eu mal prego os olhos, tamanha vontade de rever seus finos cabelos ondulantes sendo jogados para trás, seus movimentos de bailarina boêmia e sábia. E lá estava ela, saindo do carro vermelho novamente. Aposto que estava profundamente aliviada em deixar o automóvel e o papo furado que o conduzia. Como sempre, cumprimenta o cachorro por mais de dez minutos. O cachorro é sua pessoa preferida.

 Entra e fecham a porta. Sei que irão soterrá-la com perguntas fúteis e inconvenientes, mas ela é educada demais pra mandar todos para o inferno. Ela não combina com essa rua empedrada e empoeirada. Ela me lembra filmes franceses que nunca vi, música alternativa e planetas distantes. Tenho uma prateleira ao lado do abajur para o caso de um dia ela ser minha, e é lá no alto que eu vou coloca-la.
Depois de forçar um social simpático e comer sua comida de passarinho, ela foge para o jardim. Foge pra mim. Fugimos.

 Encosta o peito no muro e tira do bolso os cigarros. Flutuando, sento no muro que nos divide: uma perna em sua vida, outra na minha fossa. Coloca dois cigarros na boca e os acende de uma vez só: um pra mim, outro para seus lábios. Longo sorriso, longo silêncio, longa tragada, esse é nosso “oi”, nosso momento de despir a alma, apenas ondas eletropenetrantes de sentimentos recém tirados do forno.

 ­ O que tem pra mim dessa vez?

 Consegue ver como o ar fica leve agora? Ele adora brincar com suas roupas esvoaçantes e roçar seus dentes pontiagudos. E dessa vez a presenteei com uma pintura mais ou menos assim: coloquei em sua cabeça uma coroa de flores, enquanto tentava se equilibrar em trombas de elefantes tailandeses, nos lábios sorridentes não pude deixar de enfatizar os dentes tão perfeitamente peculiares.
Ela observou por um grande período (maior até do que aquele em que cumprimenta o cachorro) e entre um riso frouxo e outro pergunta:

Por que me fez vampira?

 E foi ai que perdi o espetáculo. Sabia o que ela estava fazendo, me forçando a exprimir meus pensamentos, propositalmente sempre me faz explicar a arte.

Seus dentes são lindos. Combinam com o espírito dos seus olhos, seu gosto por filmes, sua preocupação com o todo, combinam até com o cachorro, combinam com minhas estalactites...

 É melhor não falar nessas malditas estalactites antes que eu tenha que explicar o que são.
Goteja no papel. Olho pra cima esperando que a chuva lave a vergonha do momento. Nada além de céu limpo e estrelas. Ah, estrelas. Quase começo a aponta-la o nome de cada constelação quando o sibilar de um soluço me estapeia o estômago. Ela chorava, chorava com susto de felicidade.

 ―É realmente muito lindo. Combina com a tintura da minha parede.

 E entra, sem dizer mais nada. Ainda bem que sua beleza é um evento anual. 


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Perdi Até o Nome Deste Poema

Eu já perdi as contas das estações que se passaram,
Das rimas que perdi
Ou das que pra você escrevi,
Das vezes que desisti
Mas não muito depois, não resisti.
Se duvidar, te vejo até nas cores das cortinas.
Vai lua, vem sol, chuva e noite fria
Vou acabar tropeçando sem querer com você pelas esquinas.

E perdi as contas de quantas manhãs acordei te querendo
Você já tem lugar até na minha cama de solteiro.
Com o tempo que passou, poderia ter passado sua camisa xadrez
Poderia ter passado muita manteiga no seu pão
Poderíamos ter brigado mais de uma vez.

Já até perdi as contas de quantas vezes perdi as contas
Do tempo que a gente perdeu,
E desse que a gente anda perdendo.
Mas só pra simplificar um pouco
Podíamos é estar perdidos um, no carinho do outro.

sábado, 16 de junho de 2012

Quatro da Madrugada

Acho que é iluminada, essa Taynara
Tem uma faísca na alma, isso dá pra ver
Emana luz pelos cabelos,
Que ao vento parece se perder.

Ela fala sobre uma tal de métrica
Sobre frutas que não provei
Sobre a saliva musical da Tiê.
A respeito da saliva e da métrica
Diz que tenho, e uso bem.

Acha beleza em tudo, não sei se realmente procura
Ou se a alma é límpida assim mesmo
Só sei que ficarias linda
Ao lado do meu pé de pitanga
Com o sol lhe pintando os cabelos.

Te vejo ali mesmo, ao lado do pé de pitanga
Admirando o pássaro marrom
Com o violão na mão.
E se erras a letra da música
Ou o acorde da composição
Ri feito o passarinho
Que a essa altura já encantado
Desata em sua própria canção.

Parece indestrutível, essa Taynara
Por isso merecia um poema
Mesmo feito ás quatro da madrugada.
Poderia ser qualquer poema,
Esse poema
Para Taynara.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Apesar de Não Gostar da Matemática

De uns tempos pra cá andei te reduzindo.
Te reduzo a um roçar de rostos
Te reduzo a um silêncio gritantemente carinhoso
Te reduzo a uma noite fria na calçada do bar
Te reduzo por desgostar.

Continuo a te reduzir a cada noite que passa,
A cada música que toca
A cada metáfora que, descendo a rua, invento.
Te reduzo até se tornar irredutível
Mas ah, como gosto de te reduzir.

Te reduzo ao cheiro de tabaco,
Meu cheiro de cigarro e café amargo.
Te reduzo aos meus devaneios sentada no parapeito,
Com a porta trancada, te reduzo a um segredo.
Te reduzo desesperadamente
Até atingir a espessura de um átomo,
Para que assim, largue mão
Desse mal hábito de redução.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Passe Devagar

E se você passar, passe devagar
Para que eu possa lhe apreciar
Te agraciar, te beijar... devagar.

Pois se passas a mais de cem
Sempre haverá algo que irá faltar
Futuramente irei perguntar o que poderia ser.
Ou ainda será?

Por isso, se for passar, passe com seu passo lento
Para eu poder lhe agraciar
Para que consiga gravar teu cheiro,
Seu chamego.
Para guardar os sinos badalar
E sua essência desprendida
Em mim se apegar.

Não me faça sofrer, passe devagar
Quero te olhar.
Suas subjetividades me interessam
Seus pensamentos sujos também.
Mas passe devagar, para eu poder confiar.

E se você passar devagar
Ah, como irei te apreciar.
Ah, como irei te agraciar.
Ah, como irei te beijar.